Editorial Eleições 2018

Existe alguma relação entre a missão evangelizadora da Igreja e a política?

Quando se aproxima o período eleitoral, muitas pessoas acabam por recuperar a consciência da própria cidadania, uma vez que exercerão o direito de eleger os representantes políticos da nação, aqueles que assumirão cargos políticos, visando melhorias em todas as áreas da vida da sociedade. Também muitos cristãos, conscientes de sua cidadania, encontram nas eleições a oportunidade para testemunhar a fé em Cristo Jesus, pois, através de sua participação nas urnas, procuram escolher candidatos que exerçam a política para promover a dignidade de toda e qualquer pessoa, a dignidade da família, como também o bem comum, a justiça social e a paz.

Foto: Wesley Almeida/cancaonova.com

No entanto, não é difícil encontrar alguns irmãos na fé que se colocam a seguinte questão: existe alguma relação entre política e a missão de evangelizar que Cristo confiou à comunidade de seus discípulos? Tal pergunta nos faz recordar que a Igreja possui um ensinamento sobre as questões sociais, que se denomina Doutrina Social da Igreja. Nesta doutrina, é possível compreender perfeitamente que, não apenas existem laços entre a vida política e a missão evangelizadora da Igreja, como na realidade não é possível conceber que a Igreja de Cristo queira cumprir sua missão evangelizadora sendo ao mesmo tempo indiferente às questões sociais, como, por exemplo, a vida política da sociedade.

Um dos textos fundamentais para conhecermos o ensinamento da Igreja sobre as questões sociais é o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, publicado em 2004, pelo Pontifício Conselho “Justiça e Paz”. Leiamos atentamente um trecho do número 66 deste Compêndio: “A doutrina social é parte integrante do ministério de evangelização da Igreja. Daquilo que diz respeito à comunidade dos homens — situações e problemas referentes à justiça, à libertação, ao desenvolvimento, às relações entre os povos, à paz — nada é alheio à evangelização e esta não seria completa se não levasse em conta o recíproco apelo que continuamente se fazem o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social do homem”.

No número 70, o mesmo Compêndio afirma que “a doutrina social não representa para a Igreja um privilégio, uma digressão, uma conveniência ou uma ingerência: é um direito seu evangelizar o social, ou seja, fazer ressoar a palavra libertadora do Evangelho no complexo mundo da produção, do trabalho, do empresariado, das finanças, do comércio, da política, do direito, da cultura, das comunicações sociais, em que vive o homem”.

Além da contribuição preciosa do Compêndio, alguns pronunciamentos papais também enriquecem a nossa reflexão sobre a importância de impregnar de Evangelho o vasto e complexo mundo da política. O papa emérito Bento XVI, em seu documento sobre a Eucaristia, esclarece: “A restauração da justiça, a reconciliação e o perdão são, sem dúvida alguma, condições para construir uma verdadeira paz; desta consciência nasce a vontade de transformar também as estruturas injustas, a fim de se restabelecer o respeito da dignidade do homem, criado à imagem e semelhança de Deus; é através da realização concreta desta responsabilidade que a Eucaristia se torna na vida o que significa na celebração. Como já tive ocasião de afirmar, não é missão própria da Igreja tomar nas suas mãos a batalha política para se realizar a sociedade mais justa possível; todavia, ela não pode nem deve ficar à margem da luta pela justiça” (Exortação apostólica Sacramentum caritatis, n. 89).

Nesse mesmo documento, no número 91, continua o papa Bento XVI: “Particularmente o leigo cristão, formado na escola da Eucaristia, é chamado a assumir diretamente a sua responsabilidade político-social; a fim de poder desempenhar adequadamente as suas funções, é preciso prepará-lo através duma educação concreta para a caridade e a justiça”.

Também o Santo Padre, o papa Francisco, fez diversos pronunciamentos sobre a participação dos cristãos na política, porém destaco um trecho do número 205 de sua exortação Evangelii Gaudium: “Peço a Deus que cresça o número de políticos capazes de entrar num autêntico diálogo que vise efetivamente sanar as raízes profundas e não a aparência dos males do nosso mundo. A política, tão denegrida, é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum. Temos de nos convencer que a caridade é o princípio não só das micro-relações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das macro-relações como relacionamentos sociais, econômicos, políticos. Rezo ao Senhor para que nos conceda mais políticos, que tenham verdadeiramente a peito a sociedade, o povo, a vida dos pobres”.

Como evangelizar o contexto social, particularmente, como evangelizar a vida política de uma sociedade? Não tenho a pretensão de responder de modo completo tal pergunta, mas tentarei propor alguns caminhos sempre à luz da Doutrina Social da Igreja, e para isso gostaria de me servir da mensagem que os bispos da Igreja Católica do Brasil, reunidos por ocasião da 56ª assembleia geral da CNBB, ocorrida no último mês de abril em Aparecida/SP, enviaram ao povo brasileiro. Esta mensagem tem como título: “Eleições 2018: compromisso e esperança”.

Em sua mensagem, os bispos da CNBB deixam claro que “neste ano eleitoral, o Brasil vive um momento complexo, alimentado por uma aguda crise que abala fortemente suas estruturas democráticas e compromete a construção do bem comum, razão da verdadeira política. A atual situação do País exige discernimento e compromisso de todos os cidadãos e das instituições e organizações responsáveis pela justiça e pela construção do bem comum”. Sendo assim, continua a mensagem: “É imperativo assegurar que as eleições sejam realizadas dentro dos princípios democráticos e éticos para que se restabeleça a confiança e a esperança tão abaladas do povo brasileiro. O bem maior do País, para além de ideologias e interesses particulares, deve conduzir a consciência e o coração tanto de candidatos, quanto de eleitores”.

Fica evidente, portanto, que exercer a cidadania através da participação do pleito eleitoral é também uma forma de realizar a missão evangelizadora da Igreja. Porém, além de considerarmos os critérios evangélicos oferecidos pela Doutrina Social da Igreja para bem escolher os candidatos aos cargos políticos, é importante destacar o nosso compromisso em acompanhar os eleitos no exercício de seu mandato, tendo em vista a realização efetiva dos valores éticos e morais tão necessários para a construção de uma sociedade mais justa, mais fraterna, mais solidária, onde se perceba claramente a manifestação do Reino de Deus.

Finalizo esta reflexão com as palavras do apóstolo São Paulo a Timóteo: “Acima de tudo, recomendo que se façam preces, orações, súplicas, ações de graças por todos os homens, pelos reis e por todos os que estão constituídos em autoridade, para que possamos viver uma vida tranquila, com toda a piedade e honestidade. Isto é bom e agradável diante de Deus, nosso Salvador, o qual deseja que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,1-4).

*Padre Wagner Ferreira da Silva – Vice-presidente da Comunidade Canção Nova – Cachoeira Paulista/SP – Brasil